segunda-feira, 6 de agosto de 2012

PENSAR A TRINDADE


PENSAR A TRINDADE


Que Deus existe, eu acredito. Nunca o vi, mas acho que ele existe. Os ateus têm outras respostas para o ainda hoje não explicável, mas a que encontrei me leva a um Criador que se importa com sua criação.
Que Deus inspira, eu também acredito. Acho que nossa inteligência tem limites e que muitas das intuições que temos não vêem apenas de nós. Digamos que Deus sopra ou dá dicas, da mesma forma que faz a mãe que sabe mais e que diz a primeira sílaba facilitando para a criança o raciocínio e a resposta. Acredite quem quiser e duvide quem quiser, mas muitas vezes senti que Deus fez isso comigo. Inspirou-me.
Foi assim quando lendo sobre os dez mandamentos e, minutos mais tarde, sobre o Pai Nosso descobri que se tratava do mesmo tema: um legislado e o outro orado. Cada frase do Pai Nosso tem sua correspondente no decálogo. E foi um vento que soprou sobre minha Bíblia que me levou a ver as duas passagens e sua correlação. Se foi Deus, eu não sei, mas sei que não achei aquilo por mim mesmo.
Também escrevi muitas canções que não sei dizer como vieram, palavra após palavra, rima após rima e linha melódica após linha melódica. O que sei é que, em geral, primeiro li algum trecho da Bíblia ou de documento oficial da Igreja, ou de livro de teologia; depois refleti e, quando menos esperava, uma melodia aconteceu em cima do que eu aprendera.
Se foi Deus ou não foi, eu não sei, mas atribuo muito do que compus à sua bondade. Ateus dirão que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Aquilo está em nós… Pessoas extremamente místicas dirão que foi o Espírito Santo. E não faltará o irmão pouco evangelizado a me dizer que foi Maria, algum anjo, ou Nossa Senhora de Fátima quem me inspirou, mesmo tendo eu composto a canção depois de visitar Aparecida.
As pessoas interpretam Deus como querem ou como seu pregador preferido sugeriu. Mas há luzes que mexem conosco e que devemos submeter a outros pensadores para que não fiquem doutrina ou coisa nossa.
Conto minha reflexão e o leitor conclua. Entrei uma vez numa capela rural que tinha perto do telhado uma janela aberta. Por ela entrava um forte radio de luz que lembrava um holofote sobre um palco. Dois paus de bandeira enrolados mais abaixo dividiam a luz em três fachos. As três luzes eram a mesma luz que, contudo, chegava até meus olhos em três fachos.
Coloquei-me no facho do meio, depois fui para o facho da direita e depois para o da esquerda. Eu sabia que era a mesma luz a me iluminar, mas os três fachos me intrigavam.
Sentei-me no banco da capelinha solitária onde só estava eu com minhas elucubrações. Pensei na teologia dos cristãos e nas catequeses de cada igreja e de cada grupo. Nem sempre a teologia chega aos pregadores entusiasmados com alguma ênfase ou com sua nova igreja cheia de novas e últimas revelações.
Não chamei o que vi de revelação nem de iluminação. Entendi que era uma inspiração. Dependeria de mim levar adiante a reflexão sobre aqueles três fachos que eram a mesma luz. Nunca disse que Deus me revelou, me tocou, ou me mandou pregar aquilo. Entendi que era uma chance a mais na minha vida de ir mais fundo no mistério da fé. Pensei em Paulo aos Efésios e aos Coríntios quando ele fala de graça ampliada e de altura, profundidade, largura e comprimento do mistério. Sem reflexão, a religião fica marcando passo.
Imaginei irmãos meus cuja pregação ouço e vejo pelo rádio e na televisão. Imaginei quem deles ficaria na luz da esquerda, quem na da direita e quem na do centro. Dei aos três fachos o nome PAI, FILHO, ESPIRITO SANTO. Dei ao facho único o nome Deus. Aquela era a luz. Os fachos que chegavam ao chão eram o mesmo Deus se manifestando através de tempo e situações.
É claro que isto ainda não é teologia, mas é catequese que pode ajudar a entender melhor o dogma da Trindade: três luzes que são a mesma luz.
Imaginei centenas, milhares de sacerdotes e leigos na luz central: o Cristo, e a dizer Por ele, com ele e nele! Imaginei Paulo a dizer: meu viver é Cristo. Já não sou mais eu a viver e sim o Cristo a viver em mim. (Gl 2,20) Por Jesus ao Pai e ao Espírito Santo.
Imaginei outros em menor número na luz lateral: o Pai. Poucos acentuam o Pai Eterno. Imaginei um grande número que cresceu muito, mas ainda não é maioria, na outra luz lateral : O Espírito Santo.
Procurei entender porque alguns acentuam Jesus, outros o Pai e outros o Espírito Santo. Ônibus perfazem mil ou dois mil km e se cruzam no caminho, a levar romarias para o lugar onde se fala do Pai, ou ao lugar onde se acentua o Filho ou ao acampamento onde se acentua o Espírito Santo.
Sabem todos eles que estão indo adorar o único Deus que aqueles pregadores acentuam como Pai, ou como Filho ou como Espírito Santo? Entendem o que estão dizendo quando uns proclamam que a graça recebida veio do Espírito Santo, ou do Pai ou do Filho? Entendem que, ao orar ao Espírito Santo, ao Cristo ressuscitado cujas mãos ensangüentadas inspiram penitência, ou ao Pai Eterno estão falando com o único Deus?
Pelo que ouço parece-me que nem os pregadores se dão conta de que muitas vezes falam como se conversassem com três deuses e não com três pessoas que são o mesmo Deus.
Dias atrás ouvi de um pregador esta jóia de mensagem: “Deus Filho falará a Deus Pai em seu favor e os dois enviarão o Deus Espírito Santo para curar vocês dessa enfermidade que o demônio plantou na sua família”. Outro dizia: “ O Deus Espírito Santo os livrará da maldição da pobreza e livrará seus antepassados da maldição que ainda pesa sobre eles. E sua família finalmente será liberta de tudo o que atravanca seu sucesso financeiro e sua harmonia”
O discurso é o de quem crê em três deuses e não em um só Deus. Nada explica adequadamente o Deus que é Uno e Trino. É revelação demais para nossa cabeça. Mas precisa ficar claro para aquele se diz cristão que estamos falando de um só Deus todo poderoso que esteve agido em todos os momentos da criação e estará até o ultimo dia dela.
Os escritos sagrados nos levam a crer que ele se manifestou como Pai, depois como Filho e depois como Espírito Santo, às vezes simultaneamente revelando-se três pessoas e deixando claro que uma não é a outra, mas as três pessoas são um só e único Deus.
Como explicar essa doutrina a crianças? A quem não lê muito? Como explicá-la a quem lê outros livros de outras crenças? Como explicá-la se até pregadores dão a entender que eles mesmos não percebem que falam de três deuses?
O velho pregador que negava-se a corrigir sua maneira de fazer o sinal da cruz é uma das vítimas dessa incompletude. Até o fim da vida ele se persignava dizendo: Em nome do Deus Pai, do Deus Filho e do Deus Espírito Santo… A fé era monoteísta, mas a fala era triteísta.
Ninguém de nós está isento de erro sobre este assunto. Faltará sempre um detalhe, uma ilação. Estamos diante do mistério. A Igreja se pronunciou, mas não esgotou seu conteúdo. Fiquemos com Thomás de Aquino, Dons Scotus, Scotus Erigena e centenas de outros teólogos e fiquemos ainda, com o Catecismo da Igreja Católica que nos diz que sobre Deus é mais o que não sabemos do que o que sabemos.
Aquela luz que chegou até meus olhos em três fachos me ajudou a refletir por mais de uma hora. Não saí de lá sabendo mais. Saí querendo saber mais! Se isto for fé, então eu tenho fé!

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